No tocante ao teatro normalmente partimos do zero, o nada, o vazio.
Começamos então a perguntar.
Vamos armazenando as respostas e tentando relacionar com o que já possuímos.
Começamos então a construir.
Primeiro o texto, a história, as personagens.
Depois os ambientes, as imagens, os sons.
É assim que fazemos.
A cada construção ficamos maiores.
O LED não é uma excepção.
É mais um.
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No momento de escrita destas linhas pela primeira vez, A MARIONET está numa fase avançada de preparação do espectáculo “LED – Viagem ao interior num computador” e na fase inicial de criação do espectáculo seguinte, “A Bengala dos Cegos”. Estes projectos enquadram-se na vertente do nosso trabalho que designámos por Ciência no Teatro, assim chamada por ter como ponto de partida temas da Ciência.
O facto de nos encontrarmos ainda a meio de um processo de construção e já termos iniciado outro, que vemos trilhar os mesmos métodos de concepção recentemente percorridos, permite-me uma reflexão viva sobre a nossa forma de criar.
Numa fase inicial do nosso trabalho temos a necessidade de criar o texto que servirá de base ao espectáculo. Para isso costumamos dar os seguintes passos:
Primeiro lemos sobre o assunto científico a tratar. Livros, artigos científicos e não científicos, epístolas, o que possa ser relevante. Pedimos orientação de pessoas da área científica em questão para que nos indiquem a bibliografia mais importante sobre o assunto e para que, numa fase mais adiantada do trabalho, nos dêem a sua opinião sobre o texto desenvolvido.
À medida que o texto dramático começa a ganhar estrutura, vamos discutindo em equipa os caminhos que já percorreu e aqueles que poderá vir a percorrer. E o texto vai-se adaptando a esta crítica colectiva.
Já em trabalho de palco, o texto enfrenta o novo desafio de ser verbalizado e representado. E, de novo, se vai adaptando, desta vez também à linguagem do palco.
Sobre o texto, a sua representação e a história ou histórias que ele encerra as outras áreas criativas que compõem o Teatro vão construindo outros pedaços de arte sob formas de imagem, luz, som, figurinos, cenário.
E então, no equilíbrio de tudo junto, obtemos finalmente a complexa obra de arte que são os nossos espectáculos de teatro.
Curiosamente, a primeira fase do nosso trabalho, a fase de investigação, tem muitos pontos de contacto, a nível de processo, com a fase de investigação de um cientista no processo de escrita de um artigo científico. A diferença virá com o resultado final, que no nosso caso será não um artigo científico mas o texto dramático. Uma reflexão sobre esta diferença é algo que, pessoalmente, muito me interessa, e que estou a fazer no âmbito duma tese de mestrado onde estudo este assunto apoiado no caso particular de um cientista de renome, Carl Djerassi, o “inventor da pílula anticonceptiva”, que nos últimos anos se tem dedicado, entre outras coisas, a escrever peças de teatro como forma de divulgar a Ciência.
Assim é, em mim.
Estou ensarilhado.
Sou um novelo misturado de teatro e ciência
De onde saem umas pontas
Por onde se pode puxar.
Mário Montenegro, em Setembro de 2006